segunda-feira, 25 de maio de 2009

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Escovava os dentes e veio um gosto de banana. Já passava de meia noite. O dia havia sido uma incrível mescla de normal e estranho. Na TV, uma notícia da morte de um grande cantor e músico. Depois, um filme estrelando um ator famosíssimo, tão famoso que eu nunca ouvi falar. Talvez eu não seja tão pop assim, talvez underground demais. Enfim, resolvi fazer outra coisa. Quando entrei nesse ambiente me choveram pensamentos, senti cheiros gordos e coloridos, estava entrando num estágio novo. Alguns quadros circulavam a parede e formavam algumas letras tortas: NOW. Não sabia ao certo o que era aquilo, mas muitas perguntas, de súbito, me invadiram a cabeça naquele momento. Foi quando detive meu olhar no fogo da lareira. Vi ali imagens de reis e de heróis, de gente que passava fome, de loucos e poetas, de políticos corruptos, de prostitutas. Quase conclui que eram, no fim, todos a mesma pessoa. Peguei um café, acendi um cigarro. Desisti do café, lembrei que não fumo. Peguei o violão e toquei uma canção, balbuciava algumas palavras, faltava algo. Depois procurei no bolso direito e só achei um relógio – estava parado – procurei então no outro bolso, o esquerdo, e finalmente achei o que faltava: você.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Eita, mundo... (o do cabelo)

Sentia falta do cabelo. Não que não devesse ter cortado, no dia em que o fez (ou o fizeram para ele) foi extremamente divertido. Era uma ocasião tão feliz... Mas agora, alguns meses depois, tempo o suficiente pro cabelo ter crescido um pouco e ele ter ido cortar de novo pra ajustar o pezinho, fazia uma falta... Lembrava com profunda saudade da sensação agradável de balançar o cabelo molhado, no banho, ou depois de sair de uma piscina num churrasco.

Via fotos antigas daquele cabelo desajeitado – há controvérsias disso, é verdade – e queria poder fazer uma mágica que o restituísse tal como era. Muita gente criticava, muita gente não gostava, mas ele... ele nunca se achara tão bonito! Olhava-se de perfil na tela do computador com o cabelão e estava ótimo, de frente, idem, meio de perfil e meio de frente, realmente muito bom! Talvez não fosse o cabelo, talvez houvesse algo mais. Talvez se lembre de quando era mais jovem, quando tinha mais brilho nos olhos e menos pelos na face. Enxergava menos suas imperfeições, ou talvez tivesse menos imperfeições (talvez isso o fizesse mais feliz). Agüentava dormir menos, contemplava mais as estrelas, a lua, prestava mais atenção no mundo, apesar de o perceber menos. Pois agora tinha percebido a confusão que o mundo era, um mundo que sequer o permitia deixar seu cabelo como quisesse. Que raio de mundo é esse? Talvez não fosse só o cabelo, talvez houvesse algo mais. Talvez não fosse só o cabelo, talvez fosse o mundo.

Seus últimos segundos

a vida mudou
o lago secou
o céu canta mais baixo
a planta seca o cacho

a fumaça brilha
o tempo te humilha
as luzes não mais piscam
com a mesma intensidade
te gritam e te avisam
que é o fim dessa cidade

acabou-se a inocência
de nada vale tua crença
tu não tens mais valor
mas não sentirás tanta dor

apenas uma morte lenta
e uma monotonia peçonhenta
a febre te manterá em agonia
notas lúgubres serão tua sinfonia

e quando tudo acabar
irás para um outro lugar
e nem lembrarás do que sofreu
não lembrarás do que aconteceu
não sentirás teus membros
nem saberás que morreu

e então alguém te avisará que vais voltar
terás, enfim, a chance de recomeçar
volta... e faz tudo como acha que deve
mas se apresse, pois seu tempo será breve

quinta-feira, 14 de maio de 2009

O Tempo

O tempo gira louco
não espera uma única recuperação
Ele é sempre tão pouco
Não recua, não há reconsideração

Ele segue, imune, impávido,
Não olha pros lados
Não pensa em ninguém
Simplesmente rolam os dados

Meu pai de óculos
nunca pensei que veria
E logo serei eu
Ele e eu no fim dos dias

Eu olhando pra trás
Pras minhas horas de sorrisos
Lembrando de um momento fugás
De um olhar que me deixou embevecido

Das correrias, nas tardes ensolaradas
Das conversas e loucuras nas noites em claro
Dos jogos e aventuras com as pessoas erradas
Dos segredos e abraços dos meus amigos raros

Vou ouvindo o barulho do relógio
Com a única certeza do meu envelhecimento
Pensando em correr enquanto o corpo agüenta
Em conseguir achar positivo o golpe do vento

Já que um dia esse golpe quebrará os meus ossos!

domingo, 10 de maio de 2009

Realmente fulminante

Queria voltar a ser criança. Nada de preocupações, só quando algum brinquedo sumia, ou qual era o horário do seu desenho favorito na TV. O dia-a-dia agora o consumia, a vida já não tinha mais tanta graça quanto falaram pra ele um dia que tinha. Via pessoas morrendo, de velhice, de doença – por vírus microscópicos. Via também pessoas vivendo precariamente, vazias, inexpressivas, ou dependendo de terceiros em excesso – era isso que queria pra ele? Concluiu então o quão precário é o homem, o quanto ele não tem e não sabe de nada, por mais que pense o contrário. Escrever já não lhe bastava mais. Nem ler, nem ouvir música – atividade que gostava muito, ficava até excitado com isso –, nem escrever música (idem). Parecia tudo perdido, parecia tudo acabado, mas não iria se matar. Até que achou algo que o tirou daquela desilusão em estado permanente. Falar com os amigos, isso sim restituiu sua paz. Depois voltou pra casa, contemplava o teto branco do quarto com a mesma sensação de antes. Precisava enfim achar uma paz individual, mas quem disse que conseguia? Era uma crise realmente fulminante...

sábado, 9 de maio de 2009

Sem explicação

Estava cansado, estava vazio. O dia inteiro se refazia na sua cabeça, muitas coisas, mas... nada! Uma música de fundo, um piano, uma preguiça peçonhenta... Não sabia porque estava, não sabia de mais nada. Flashes insistentes: um barulho de céu caindo, uma luz escura e nebulosa, aquele olhar agudo (nem bom, nem mal), aquelas palavras confusas, um turbilhão de sentimentos e, por fim, um telefonema ranzinza de uma pessoa incrível.

Já passaram-se horas, descansara demais. A cabeça caída, a televisão ligada, acordou: Por que tudo ao contrário? Por que aquela festa toda? Todo aquele colorido, aquela confusão... depois? Tudo escuro, chão limpo como que por encanto, cabeça doendo como que por bebida, coração doendo como que por pranto, por profunda ferida. Febre. Já não tinha mais saúde, o dedão do pé doía e mais alguma outra coisa...

Sentia um cheiro esquisito, não sabia se de bruma ou de brisa, não sabia mais o que era cheiro. Ali, não tinha certeza ou convicção alguma. Era feliz, já fora muito feliz. Mas naquele momento poderia morrer.