José ligou para Júlia naquela sexta à noite, mas ela estava muito ocupada, disse que ligaria de volta na manhã de sábado e anotou o número. Zé ficou a manhã toda perto do telefone, esperando o telefonema. Maria não podia atender. Já tinha passado do meio dia. Zé não agüentava mais não sair da sala e, quando se descuidou, foi ao banheiro, o telefone tocou. Maria atendeu:
- Alô.
- Alô, por favor o Sérgio está?
- Aqui não tem ninguém com esse nome.
- Tem certeza? Mas o número que me deram foi esse...
- Mas aqui não tem nenhum Sérgio, minha filha...
- OK, desculpe.
Clic.
José voltou para a sala, perguntando quem era. “Engano”, respondeu Maria. Mas o telefone tocou de novo, então o Zé atendeu e a Maria só o ouviu dizer: “Desculpe, ligo outra hora”. A esposa quis saber:
- Quem era?
- É... o Pinduca.... o Pinduca me chamando para a pescaria mais tarde.
- Sei... com quem mais?
- O Taborda... Eu, Pinduca e Taborda.
- E você vai?
- Talvez... Vou à padaria e já volto.
O Zé saiu de casa, encontrou o supermercado mais próximo, entrou e, do seu celular, ligou para Júlia:
- Alô.
- Júlia? É o Z... Sérgio.
- Sérgio? Que houve? Liguei no seu número e uma mulher me disse que não tinha nenhum Sérgio na casa...
- Era meu número mesmo? Você deve ter ligado errado...
- Bom, não importa. O que acha de nos encontrarmos hoje à noite?
- Pois é justamente o que eu iria falar. Pode ser no Restaurante Garfo de Ouro?
- Claro. Que horas?
- Umas 19 horas está bom?
- Não é muito cedo?
- Tenho que acordar cedo no domingo, tenho pescaria...
- OK, por mim tudo bem.
- Então te vejo às 19... Beijo.
- Outro.
Clic.
José voltou para casa, dizendo a Maria que iria à pescaria e simulou ligar para o Pinduca: “Pastel? Às 14 horas eu passo na sua casa? OK...”. Falou para Maria que tinha que ir logo. Almoçou com ela e foi. E ela pensando: “Pastel?”.
Passou a tarde na casa do Taborda, afinal o jantar com Júlia era só às 19 horas. Já foi arrumado, mesmo ouvindo um “arrumado assim para pescar, Zé?” da esposa. Quando eram umas 18h30 já foi para o restaurante, que era relativamente perto dali... o lugar não era perigoso, bairro de classe alta.
No jantar – no qual Júlia chegou 15 minutos atrasada – papo vai, papo vem, com um “Adorei o cachecol preto que você estava usando naquele dia” por parte dela, e ele: “Preto? Ah, sim, claro... meu favorito!” (ele nem estava de cachecol no dia, meu Deus!), a conversa foi longe e beijaram-se. Terminaram num motel. O Zé, mesmo aos seus 52 anos ainda tinha vigor para a coisa.
O Zé chegou lá para as três da manhã em casa. Maria, lógico, ainda estava acordada: “Pescaria até esse horário?”. “Que tem, mulher?”, respondeu o Zé, e foi dormir. Estava cansadíssimo – e felicíssimo também.
No domingo de manhã, Maria perguntava ao Zé, sonolento:
- Então Zé, como está o Torquato?
- Bem, bem...
- Mas não era Taborda o nome dele?
- É... Taborda... está bem.
- E o outro?
- Quem?
- O outro que foi pescar com vocês...
- Ah... o Pastel está bem também...
- Não era Pinduca?
- Pinduca? Ah... Pinduca, Pastel... tudo igual!
- Sei...
O Zé foi tomar banho. Tempo suficiente para chegar no celular dele a mensagem de texto: “Adorei a noite de ontem, foi maravilhosa... Acho que você mentiu para mim a idade, viu? Que fôlego! Quando será a próxima? Beijão, da sua Ju”. Quem leu essa mensagem foi a Maria, é claro. Pensou na vida, no casamento com o Zé, que há muito já tinha perdido a graça. Na herança que o marido podia deixar, na traição. Não deu outra: botou o veneno de rato mais potente que tinha no café do marido.
O Zé bebeu, sentiu-se meio estranho, foi ler um livro de poemas, depois foi se deitar. Morreu. Ninguém descobriu realmente como. E a herança do Seu José (ou Sérgio, para Júlia) – que era muito bem de vida, quase rico (ou rico mesmo), e só não tinha carro por que não sabia dirigir e não gostava de motoristas particulares (já experimentara uma vez: destestara) – ficou toda para a Maria, que estava meio acabada, mas agora poderia fazer uma plástica, tranqüilamente. É, Zé... Pois é...
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Realmente eu viajei aqui,viu.....tentei interpretar de maneiras diferentes aqui.....gostei foi do final "É, Zé... Pois é..."....nisso aí ja ficou clara uma suposta mensagem....mto bom!!!
ResponderExcluirO desfecho da história, de primeira, me deu um baita susto! "Como assim ele morreu?" Mas logo depois resolvi ler a primeira parte de novo, juntar tudo pra tentar pensar numa opinião... E claro que eu não deixaria de viajar um pouco..
ResponderExcluirSem perceber eu encontrei uma semelhança nos três personagens.. Tanto Maria, Zé e Júlia viviam sua vida normal. Nenhum esperava o que estava por vir. E todos nós vivemos assim, nessa normalidade, não imaginando sequer o que está prestes a acontecer, sem saber a proporção de tudo o que fazemos e falamos... Nos arriscamos, colocamos tudo a prova, nos expomos às probabilidades... vivemos! E nesse ponto eu me divido. Vejo que ao mesmo tempo que devemos arriscar pra viver, devemos também medir muito bem nossas ações pois todas elas, sem nenhuma exceção, passam e atingem aqueles que nos cercam! O que você acha? (Além claro de achar que eu caí e bati a cabeça.. hahahaha)
Parabens pelo blog Paulista!! Muito bacana mesmo! =)