segunda-feira, 2 de novembro de 2009

E agora, José? [a continuação do clichê]

José ligou para Júlia naquela sexta à noite, mas ela estava muito ocupada, disse que ligaria de volta na manhã de sábado e anotou o número. Zé ficou a manhã toda perto do telefone, esperando o telefonema. Maria não podia atender. Já tinha passado do meio dia. Zé não agüentava mais não sair da sala e, quando se descuidou, foi ao banheiro, o telefone tocou. Maria atendeu:

- Alô.
- Alô, por favor o Sérgio está?
- Aqui não tem ninguém com esse nome.
- Tem certeza? Mas o número que me deram foi esse...
- Mas aqui não tem nenhum Sérgio, minha filha...
- OK, desculpe.
Clic.

José voltou para a sala, perguntando quem era. “Engano”, respondeu Maria. Mas o telefone tocou de novo, então o Zé atendeu e a Maria só o ouviu dizer: “Desculpe, ligo outra hora”. A esposa quis saber:

- Quem era?
- É... o Pinduca.... o Pinduca me chamando para a pescaria mais tarde.
- Sei... com quem mais?
- O Taborda... Eu, Pinduca e Taborda.
- E você vai?
- Talvez... Vou à padaria e já volto.

O Zé saiu de casa, encontrou o supermercado mais próximo, entrou e, do seu celular, ligou para Júlia:

- Alô.
- Júlia? É o Z... Sérgio.
- Sérgio? Que houve? Liguei no seu número e uma mulher me disse que não tinha nenhum Sérgio na casa...
- Era meu número mesmo? Você deve ter ligado errado...
- Bom, não importa. O que acha de nos encontrarmos hoje à noite?
- Pois é justamente o que eu iria falar. Pode ser no Restaurante Garfo de Ouro?
- Claro. Que horas?
- Umas 19 horas está bom?
- Não é muito cedo?
- Tenho que acordar cedo no domingo, tenho pescaria...
- OK, por mim tudo bem.
- Então te vejo às 19... Beijo.
- Outro.
Clic.

José voltou para casa, dizendo a Maria que iria à pescaria e simulou ligar para o Pinduca: “Pastel? Às 14 horas eu passo na sua casa? OK...”. Falou para Maria que tinha que ir logo. Almoçou com ela e foi. E ela pensando: “Pastel?”.

Passou a tarde na casa do Taborda, afinal o jantar com Júlia era só às 19 horas. Já foi arrumado, mesmo ouvindo um “arrumado assim para pescar, Zé?” da esposa. Quando eram umas 18h30 já foi para o restaurante, que era relativamente perto dali... o lugar não era perigoso, bairro de classe alta.

No jantar – no qual Júlia chegou 15 minutos atrasada – papo vai, papo vem, com um “Adorei o cachecol preto que você estava usando naquele dia” por parte dela, e ele: “Preto? Ah, sim, claro... meu favorito!” (ele nem estava de cachecol no dia, meu Deus!), a conversa foi longe e beijaram-se. Terminaram num motel. O Zé, mesmo aos seus 52 anos ainda tinha vigor para a coisa.

O Zé chegou lá para as três da manhã em casa. Maria, lógico, ainda estava acordada: “Pescaria até esse horário?”. “Que tem, mulher?”, respondeu o Zé, e foi dormir. Estava cansadíssimo – e felicíssimo também.

No domingo de manhã, Maria perguntava ao Zé, sonolento:

- Então Zé, como está o Torquato?
- Bem, bem...
- Mas não era Taborda o nome dele?
- É... Taborda... está bem.
- E o outro?
- Quem?
- O outro que foi pescar com vocês...
- Ah... o Pastel está bem também...
- Não era Pinduca?
- Pinduca? Ah... Pinduca, Pastel... tudo igual!
- Sei...

O Zé foi tomar banho. Tempo suficiente para chegar no celular dele a mensagem de texto: “Adorei a noite de ontem, foi maravilhosa... Acho que você mentiu para mim a idade, viu? Que fôlego! Quando será a próxima? Beijão, da sua Ju”. Quem leu essa mensagem foi a Maria, é claro. Pensou na vida, no casamento com o Zé, que há muito já tinha perdido a graça. Na herança que o marido podia deixar, na traição. Não deu outra: botou o veneno de rato mais potente que tinha no café do marido.

O Zé bebeu, sentiu-se meio estranho, foi ler um livro de poemas, depois foi se deitar. Morreu. Ninguém descobriu realmente como. E a herança do Seu José (ou Sérgio, para Júlia) – que era muito bem de vida, quase rico (ou rico mesmo), e só não tinha carro por que não sabia dirigir e não gostava de motoristas particulares (já experimentara uma vez: destestara) – ficou toda para a Maria, que estava meio acabada, mas agora poderia fazer uma plástica, tranqüilamente. É, Zé... Pois é...

2 comentários:

  1. Realmente eu viajei aqui,viu.....tentei interpretar de maneiras diferentes aqui.....gostei foi do final "É, Zé... Pois é..."....nisso aí ja ficou clara uma suposta mensagem....mto bom!!!

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  2. O desfecho da história, de primeira, me deu um baita susto! "Como assim ele morreu?" Mas logo depois resolvi ler a primeira parte de novo, juntar tudo pra tentar pensar numa opinião... E claro que eu não deixaria de viajar um pouco..
    Sem perceber eu encontrei uma semelhança nos três personagens.. Tanto Maria, Zé e Júlia viviam sua vida normal. Nenhum esperava o que estava por vir. E todos nós vivemos assim, nessa normalidade, não imaginando sequer o que está prestes a acontecer, sem saber a proporção de tudo o que fazemos e falamos... Nos arriscamos, colocamos tudo a prova, nos expomos às probabilidades... vivemos! E nesse ponto eu me divido. Vejo que ao mesmo tempo que devemos arriscar pra viver, devemos também medir muito bem nossas ações pois todas elas, sem nenhuma exceção, passam e atingem aqueles que nos cercam! O que você acha? (Além claro de achar que eu caí e bati a cabeça.. hahahaha)
    Parabens pelo blog Paulista!! Muito bacana mesmo! =)

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